![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhAUGkyBcAwVkq_4myhreOzR9UB1f8WN8f7v7h9QkR0gP9T_WFH0EOut4sYjQvGn_U6alD_k9eZuK7KfAG2tDB0ioHxchoyaqLu2L_kFeOOULG_AOBTHUl0kGufY7-0J7B6NWIlV8Mince/s200/maos_e_barco.jpg)
AS MÃOS*
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre
* Poema declamado colectivamente pela turma, nas comemorações da Semana da Leitura, sob orientação da Directora de Turma.
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Não há machado que corte a raíz ao pensamento
não há morte para o vento
não há morte
Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida
sem razão
Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre
Não há machado que corte a raíz ao pensamento
não há morte para o vento
não há morte
Carlos de Oliveira
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Pudesse Eu
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes
Sophia de Mello Breyner Andresen
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoYfszRkZ5kMyx_gItnEsi3yTC4hj5OlJdvej7UCTKR3rhGa-dvKyo_DkCLOSDTj9Mnc8xPcqEiL2MIPep97U8_amk1iUmZfEajk9y57hX4wZp6BSZHiYMOzxVztBUP2WowDWS2VCQuQYA/s200/untitled.bmp)
HORAS, HORAS SEM FIM
Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.
Eugénio de Andrade
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0fWGJdSNu99S54glHMIgP_jXnuhQKcehFgEDl6Jwtjj0B3ihT9b595lFYMt7yEN3_fvZGfNHubKg0AKF-dYquZ1eOA12R3fHGZjyNnhxz-aNWXcE_0d7Lm7iVhMG40VC5V1HZkgwIiVRe/s200/orvalho.bmp)
AS PALAVRAS
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSL1kV6DmBSjLDZcNeepVjoIbQJozwakEx1NON7wHb4VpkAoMDMMrokbMeKKpxy7VdvOkTCXN0hdGf6HK04UuAqoDf_vtqAFbfv3nS5xrFAYcVycVAca2EXxSDa7N1hNXJB2v-IGiL2mcr/s200/vida.jpg)
URGENTEMENTE
É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.
Eugénio de Andrade
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyoRjVnWSIyWIK1Mf16WCMk6YUQ3yup_QEHqs1DA0Gx7AZyHSLhKmXqciVmObLCGDSRcZtUalI-fi7HpwAIt8_vDM_wGiZeh8B2vkx5X0U43pjiIfaRAFArp02xK0TQIAkFoXxqcapt4vg/s200/underwatero.jpg)
FUNDO DO MAR
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
Sophia de Mello Breyner Andresen
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsbtVQiZ-bdmhwVf3mWV6D5ThHw2Fuyd83L9DtJuKcSCGbwIuiV9CBnUOaHxzdR_0HJNnEIPlHouywIipGvr9sjuasCQOfL0zMdFEaWy69L3G3hOQTiNSi3yqRrxo5BQPQxoJetLBEy4eq/s200/madrugada.jpg)
MANHÃ
Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro
Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro
Sophia de Mello Breyner Andresen
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIHLgSR9sPbwDlasKR30gs6kpHmLV1dZWhaeREMAdxZhZGQg4M9uH4C-xiNf7VlqH9eGRTZMozU5gmvI2w_1l47gYTV0y9g4OVXzymCQZZS26Bu838pWzSOgfToymrya33jtz6eKIehggz/s200/amor.png)
ARMA SECRETA
Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha recta
mais longe que os foguetões.
Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.
A potência destinada
às rotações da turbina
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
Erecta, na noite erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.
António Gedeão
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj041px-0xIjq0q0wjtcmK4K0MEk-K5-kXu08bANYehOmGKJMk8JyTebsC9tr-1uAcx9ia8AKmqu-VoasefhLX4MQSM6v97teeTUwH3hrL-6FCN7QhSMP3Q3S888xrlvpCm1WIOd9_vC-aG/s200/lagrima_de_preta.png)
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7Ou_G6IHx2tABrnwpYnlSlPyUsU5MgvC-5kPTGM2WvxJJAdyVYVnlGO1TuiWnWkX6f7-cDhkWGbzoEhEgiZLgIYbArAOiejC-ENBnkdo1oQl-N60CTz5mPbLVCNGer9H7qjb5BK6wTbu5/s200/madressilva.bmp)
XV
As madressilvas
que em abril florescem airosas entre os brejos
parecem dizer:
Vede como somos belas!
e os namorados
que na estrada passam, abraçados, aos beijos,
erguem os braços para colhê-las...
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAlPd8_zB7INM1bfszibBpFx53hrf1P7nHnBfaGkoTot8PUt5sxvKXThuphpd_T12FnRc1_5hDm0g_YTzc1RdA7b0_tCAmAoFAGJvOFaeeA16S_JNh6Kwy8aFAKADDJY5HFq7HxX-luf7d/s200/pensamento.jpg)
Cântico Negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCMWEgHwZAEE3xFBzLwlJYL7dEdo3tTVBt81KTZ3lkwjJzbsntpJN25gLdli5P_NAQW2007WoEXwGj9OFaV5kIK9IkMsMmQYMyWlgv8SD5vSFCNz41WmSWep8ctv4YsS_M9N1GqOa99n9q/s200/Mar5.jpg)
Sagres
Vinha de longe o mar...
Vinha de longe, dos confins do medo...
Mas vinha azul e brando, a murmurar
Aos ouvidos da terra um cósmico segredo.
E a terra ouvia, de perfil agudo,
A confidencial revelação
Que iluminava tudo
Que fora bruma na imaginação.
Era o resto do mundo que faltava
(Porque faltava mundo!).
E o agudo perfil mais se aguçava,
E o mar jurava cada vez mais fundo.
Sagres sagrou então a descoberta
Por descobrir:
As duas margens da certeza incerta
Teriam de se unir!
Miguel Torga
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbNwhzMRZyKt8oVTv9ziRDkLkC5Wy2_pw6mWth7zhXRr7X22683OpxP9nwWTWOSXx_n3xNqrgdxoeKk8To5fHoNsVvZJR-Fqxn1wAXHEWQU3cQlGctTAyHPuCUPqn0r-kPHTIR_sVHVu02/s200/Crise.jpg)
Comunicado
Coimbra, 18 de Abril de 1961.
Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.
Miguel Torga*
* Afinal a CRISE já dura há muito...
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