segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Pele de Piolho", Adolfo Coelho (rec.)



"Era um rei que tinha uma filha que costumava catá-lo e um dia encontrou-lhe um piolho na cabeça e disse: « Meu pai e senhor,Vossa Majestade tem aqui um piolho.» Então o rei respondeu: «Deixa-o ficar, pois quero que ele cresça.»
Cresceu tanto o piolho que já não cabia na cabeça do rei; e então este ordenou que se matasse e que da pele se fizesse um tambor. Assim se fez, e então a princesa disse ao rei que mandasse reunir a corte toda, e toda a gente que ele quisesse, e aquele que adivinhasse de que tinha sido feito o tambor seria seu esposo. Ora o rei andava com muitos desejos de casar a filha, e por isso aceitou logo a proposta, e deu ordens para que se reunisse muita gente; e aquele que adivinhasse de que tinha sido feito o tambor casaria com a sua filha. Havia um fidalgo na corte de quem a princesa muito gostava e que também se apresentou para adivinhar, e quando já estavam muitos homens reunidos, chegou o rei e a princesa e perguntaram: «De que é feito este tambor?» e mostraram o tambor que era levado por um velho criado do rei. A princesa então aproximou-se do fidalgo que amava e disse-lhe: «Pele de piolho.», mas ele nada ouviu, e o criado que conduzia o tambor, como estivesse atrás da princesa, ouviu o que ela dizia; e então aproximou-se do rei e disse: «Saiba, Vossa Majestade, que este tambor foi feito da pele de um piolho.» Então o rei respondeu logo: «Adivinhaste, e como palavra de rei não volta atrás, casarás com a princesa.» Então, ela toda lavada de lágrimas, chegou-se ao pé do velho e disse-lhe:

Se eu casar contigo, velho,
Há-de ser com tal tenção
De eu dormir em boa cama,
E tu, velho, nesse chão.
E tu, velho, se falares,
Hás-de levar com um bordão.
Eu hei-de comer pão alvo,
E tu, velho, de rolão,
E se tu, velho, falares,
Hás-de levar com um bordão.

Em vista disto, o velho não quis casar com a princesa, e disse-lhe que ela casasse com o fidalgo; e assim se fez.

(Coimbra)

Coelho, Adolfo - Contos Populares Portugueses.
Lisboa: Pub. D. Quixote,2001, pp. 196-197

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