quarta-feira, 24 de junho de 2009

História da Literatura - Breve Periodização III- O Barroco

"Cartas Portuguesas" - 3ª Carta (excerto)

Que será de mim?....e que queres tu que eu faça?...
Vejo-me bem longe de tudo o que tinha imaginado!
Esperava que me escrevesses de todos os lugares por onde passasses; que as tuas cartas seriam mui extensas; que alimentarias a minha Paixão com as esperanças de ainda ver-te; que uma inteira confiança na tua fidelidade me daria alguma espécie de repouso; e que ficaria assim em um estado suportável, sem estrema dor.
Tinha até formado alguns leves projectos de fazer esforços que me fossem possíveis para curar-me, no caso de saber com certeza que me tinhas esquecido completamente.
A tua ausência, alguns toques de devoção, o receio natural de arruinar totalmente a pouca saúde que me resta por cansadas vigílias e tantas inquietações, a escassa aparência dá tua volta, a frieza da tua afeição e doa teus últimos adeuses, a tua partida fundada em frívolos pretextos, mil outras razões mais que boas e demasiado inúteis, pareciam prometer-me um auxílio assaz certo, se me viesse a ser necessário.
Não tendo enfim a combater senão comigo, mal podia desconfiar de todas as minhas fraquezas, nem aprender tudo o que hoje sofro...
Oh! triste de mim! Quanta compaixão mereço, visto não sermos ambos participantes das penas, mas eu só a desgraçada!...
Este pensamento mata-me, e morro de susto de que jamais tenhas sido extremamente sensível a todos os nossos prazeres.
Agora sim, conheço a má fé de todos os teus afectos...
Enganavas-me todas as vezes que me dizias ter sumo gosto de estar só comigo...
Às minhas importunações devo somente os teus desvelos e transportes...
De sangue frio formaste a tenção de me abraçar, e consideraste a minha paixão como um troféu, sem que o teu coração jamais fosse comovido entranhavelmente...
Não deves tu ser bem infeliz, e ter bem pouca delicadeza, para nunca haver sabido colher outro fruto dos meus enlevamentos?...
E como é possível que com tanto Amor eu não tenha podido fazer-te completamente venturoso?

Lamento, por Amor de ti somente, as deleitações infinitas que perdeste...
Por que fatalidade não quiseste desfrutá-las?...
Ah! se as conhecesses, acharias sem dúvida que são mais sensíveis do que a satisfação de me ter seduzido, e terias experimentado que somos mais felizes, e sentimos qualquer coisa de mais fino mimo em amar ardentemente, do que em ser amados.
(...)
Adeus!
Muito quisera nunca haver posto os olhos em ti.
Ah! sinto vivamente a falsidade deste sentimento, e conheço neste mesmo instante em que te escrevo, quanto prefiro e prezo mais ser infeliz amando-te, do que não te haver jamais visto.
Cedo sem murmurar à minha malfadada sorte, já que tu não quiseste torná-la melhor. Adeus.
Promete-me de conservar uma terna e maviosa saudade de mim, se eu falecer de dor; e assim possa ao menos a violência da minha paixão, inspirar-te desgosto e afastar-te de tudo!
Esta consolação me será suficiente, e, se é força que te abandone para sempre, desejara muito não deixar-te a outra.
Dize, não seria nímia crueldade a tua, se te servisses da minha desesperação para, pareceres mais amável, mostrando que acendeste a maior paixão que houve no mundo?
Adeus outra vez...
Escrevo-te cartas excessivamente longas, o que é uma falta de consideração para ti: peço-te mil perdões, e atrevo-me a esperar que terás alguma indulgência para com uma pobre insensata, que o não era, como tu bem sabes, antes de amar-te.
Adeus.
Parece-me que demasiadas vezes me dilato em falar do estado insuportável em que estou.
Contudo agradeço-te, do íntimo do meu coração, a desesperação que me causas, e aborreço o sossego em que vivi antes de conhecer-te...
Adeus.
A minha paixão cresce a cada momento.
Ah! quantas cousas tinha ainda para dizer-te!...

Soror Mariana Alcoforado*

* Soror Mariana Alcoforado (1640-1723) nasceu e faleceu em Beja. Era uma religiosa que professou no Convento da Conceição dessa cidade, tendo sido aí escrivã e vigária.
A ilustração deste texto é conhecida por "Janela de Mariana" - faz parte do Museu Etnográfico de Beja, actualmente.

Sugestões de leitura:
- as cartas originais, traduzidas por Eugénio de Andrade, assim como a versão, em francês, em http://www.arlindo-correia.com/101205.html;
- “Mariana”, de Katherine Vaz, Ed. Asa., 2002 (romance).

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