quarta-feira, 24 de junho de 2009

Lendas Sanjoaninas - Lenda da Fonte da Moura (Porto)

“Como uma Deusa Saiu das Águas”

Fim da Primavera, quase Verão...
E nunca os manjericos foram tão verdes e perfumados! Seria um aviso da linda moura encantada? Quebrar-se-ia o encanto? Deixaria a sua prisão dourada?
A sua fama de grande beleza e imensas riquezas perturbara gerações e gerações de portugueses...
Agora, sonhavam outros jovens corações...
- Este ano vou quebrar o encanto da mourinha!
- Não o vais conseguir!
- Ela, quando vê alguém, foge!
- Comigo vai ser diferente!
A noite de S. João surgiu muito clara e perfumada, brilhante de luar.
Dirigiu-se à Fonte da Moura. Atentamente, olhava o relógio. Minuto a minuto, segundo a segundo, crescia a ansiedade... Meia-noite!
Ouviu um restolhar entre as ervas. Surgiu uma cobra assustadora. Entrou nas águas...Três vezes veio à superfície, três vezes mergulhou, numa dança de arrepiar...
Por artes de grande magia, transformou-se numa jovem de rara beleza.
E, como uma deusa, saiu das águas, envolta em fina túnica de seda carmesim a prata bordada.
Sacudiu os cabelos sedosos. Ondas e ondas à luz do luar!



Acercou-se dos manjericos e, aspirando profundamente o seu perfume, começou a caminhar com muita leveza e harmonia.
E, embalada no sonho de uma noite perfumada, tecida de luar, dançou a magia da noite como se escutasse a mais bela e doce melodia...
Dançou a liberdade e o amor de uma noite de solstício de Verão...
A noite mágica de S. João!
Dançou... Dançou... Dançou...
Depois, num ritual de grande feitiço, começou a pentear-se com um lindo pente de platina.
Ele pensou falar-lhe. Mas a formosa moura começou a cantar uma canção de amor. E na emoção de a ouvir, não conseguiu balbuciar um som...
Tanto desejo de a salvar! Tanto sonho!
E tudo estava preso num nó bem apertado!
As palavras não saíam... Quase doíam...
Vindo não se sabe de onde, surgiu um ganso branco. E a formosa moura acariciou, com muita ternura, as suas penas brilhantes.
O ganso, em atitude de vigia, corria de um para o outro lado da fonte. Ao mais leve ruído, parava, perscrutando todos os recantos.
E a formosa moura, sentindo-se protegida, continuava a cantar e a pentear-se com o seu lindo pente de platina.
Tentou, mais uma vez, falar-lhe, mas as palavras continuavam presas... Muito presas...
Caminhava a Lua, clareavam os céus, em breve o nascer do dia. Então, num rasgo de coragem, sacudiu o doce enleio...
Era urgente confessar-lhe o seu amor, salvá-la do longo cativeiro...
Aproximou-se, mas, sob os seus pés, estalaram algumas folhas. O ganso muito receoso estacou e a jovem parou de cantar.
Não teve tempo de balbuciar um som... O encanto de uma noite perfumada de luar desfez-se no ar...
Com enorme tristeza viu nas águas puras da Fonte a agitação de uma cobra assustadora...
E as palavras doíam...
Doíam...
Surgiram os primeiros raios de Sol de uma bela manhã de S. João! Douravam a granítica e bela cidade do Porto!
E os manjericos continuavam verdes e perfumados...
Com promessas de muitos amores...


Maria José Meireles,"Lendas de Mouras Encantadas", pp.15-21

Esta obra possui ilustrações magníficas de Alexandra Jordão Pires, outra das nossas ilustradoras predilectas...

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